No Facebook do Folha 8 um leitor escreveu: «Quem é a falsa virgem ofendida? É o Rui Falcão, membro do partido fundador da guerra civil , partido que fuzilou dezenas de milhar de angolanos no 27 de Maio de 1977, partido com dirigentes que roubaram dos cofres do Estado muitíssimo biliões de dólares… e que quer que o jornalista Francisco Rasgado o indemnize em cerca de 2.654.782 dólares porque diz que foi difamado.»
Por Orlando Castro
E acrescenta, entre muitos outros exemplos: «Qual é a honra de alguém que pertence a um partido de assassinos e ladrões? Que indemnização pagou o MPLA às famílias das dezenas de milhar de mortos fuzilados pelo MPLA no 27 de Maio de 1977?»
Angola vive, do ponto de vista do Poder, uma situação conhecida, mas agora com novas vestes, com nova maquilhagem. Trocou o “seis” por “meia dúzia”. Os jacarés até dizem aos seus familiares: “Aprendam a conviver com a crítica e com a diferença de opinião, favorecendo o debate de ideias”. Quem só fingiu acreditar… ainda anda por aí. Dos que acreditaram mesmo e, por isso, começaram a criticar, alguns já fazem parte da vegetariana cadeia alimentar dos simpáticos moradores dos nossos rios.
Tenhamos memória. Mesmo antes da votação de 31 de Agosto de 2012 já Eduardo dos Santos definira a amplitude da vitória do MPLA. O resto era só para compor o ramalhete.
Na altura, o secretário do Bureau Político do MPLA para a Informação (cargo a que agora regressou pela mão de João Lourenço), Rui Falcão Pinto de Andrade, disse ao jornalista Peter Wonacott (“The Wall Street Journal”) que “o fantasma da fraude, ou de qualquer outra coisa, advém daqueles que sabem, antecipadamente, que não têm capacidade para ganhar as eleições”.
Rui Falcão ontem, como hoje, tinha razão. Está no contrato de compra e venda assinado com Portugal que o MPLA é Angola e que Angola é do MPLA. Por isso, aos 45 anos de Poder o MPLA vai juntar mais uns tantos. E tudo isto acontece não porque a Oposição, nomeadamente a UNITA, não tenha capacidade para ganhar, mas porque o MPLA tem uma máquina capaz de impedir que ela ganhe.
Aliás, se necessário for, o MPLA poderá chegar a uma votação de, por exemplo, 110%. 110%? Sim, claro. E ninguém irá protestar. Aliás, muitos dos discursos de felicitações pela vitória do MPLA, paridos nos areópagos da política internacional, nomeadamente em Lisboa, estão escritos desde 1975.
Todos se recordam, embora poucos se atrevam a dizê-lo, que o ex-Presidente, não nominalmente eleito e que esteve 38 anos no poder, José Eduardo dos Santos, disse no dia 6 de Outubro de… 2008 que o Governo ia aplicar mais de cinco mil milhões de dólares num programa de habitação que incluía a construção de um milhão de casas.
Foi há 13 anos. A construção de um milhão de casas para as classes menos favorecidas de Angola e jovens foi, aliás, uma das promessas da então campanha eleitoral mais enfatizadas pelo Presidente da República de Angola e do MPLA, partido que governa o país desde 1975.
José Eduardo dos Santos admitia, modesto como era, que “não seria um exercício fácil”, tendo em conta que o preço médio destas casas, então calculado em cerca de 50 mil dólares. Apesar de tudo, com a legitimidade eleitoral de quem só não passou os 100% de votos porque não quis, assegurou que “já se estava a trabalhar” nesse sentido. Foi em 2008. Foi Eduardo dos Santos como hoje é João Lourenço
“O objectivo dessa estratégia é proporcionar melhor habitação para todos, progressivamente, num ambiente cada vez mais saudável”, disse Eduardo dos Santos. Não sabemos se ainda alguém se recorda disso…
Como disse o então vice-presidente da Assembleia Nacional, João Lourenço, no dia 11 de Fevereiro de 2012, a vitória eleitoral do MPLA permitiria dar continuidade à execução dos programas concebidos pelo partido, sobretudo na área social. Sim. Embora tenha começado muito antes, há nove anos já João Lourenço “lambia as botas” de forma servil e convicta ao “querido líder”, ao “escolhido de Deus”.
João Lourenço tinha (e continua a ter) toda a razão. Só assim seria possível dar continuidade ao programa que mantém perto de 70% de angolanos a viver na miséria; em que a taxa de mortalidade infantil é das mais altas do mundo; em que só 38% da população tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico; em que apenas um quarto da população tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade; em que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos.
“Se os eleitores nos derem essa oportunidade, poderemos concluir com o nosso trabalho e pensamos que esta é a posição mais justa”, disse o ex-secretário-geral do MPLA, quando falava à imprensa no término da IV sessão ordinária do Comité Central do partido.
Tanta modéstia até foi comovente. João Lourenço sabia (e continua a ser um mestre) que, com extrema facilidade, o MPLA só não terá vitórias superiores a 100% se o não quiser.
Segundo João Lourenço, não há muitos países do mundo que depois de uma guerra destruidora de cerca de 40 anos conseguiram, em pouco tempo, realizar as acções feitas em Angola, sobretudo na área social e na reparação de infra-estruturas.
Guerra de 40 anos? Sim, claro! Provavelmente 40 anos (ou até mais) em que nada se construiu e o pouco que havia foi destruído. Todos sabem, aliás, que quando o poder foi entregue por Portugal numa bandeja de corrupção (que continua a florescer) ao MPLA, Angola era um imenso deserto ou, aqui e acolá, um amontoado de escombros.
Todos sabem que, a 11 de Novembro de 1975, Angola não tinha estradas, hospitais, aeroportos, hotéis, fábricas, prédios etc.. Não tinha mesmo nada. Por isso, o que hoje existe é tudo obra do MPLA.
Na abertura dessa reunião, o então presidente José Eduardo dos Santos disse que o MPLA e a sua direcção não temiam expor-se à avaliação e ao veredicto em eleições periódicas, onde o confronto de ideias se faça de maneira aberta, plural, honesta e civilizada, podendo cada um expressar livremente as suas opiniões e anunciar os seus programas e ideais.
Eduardo dos Santos retirou estas frases dos programas eleitorais de países democráticos, coisa que Angola não é. Mas isso também não é relevante. Ou por outras palavras, Angola é nesta altura um raro paradigma de democraticidade, a ponto de que até os mortos votam.
“E é por estarmos conscientes de que o programa do nosso partido exprime a vontade do povo que partimos sempre para qualquer disputa política com a certeza da vitória”, disse o presidente e dono do país.
Ok. Os jacarés estão à nossa espera…